sábado, 16 de janeiro de 2016

d'oiro fagueiro

…depois há, ainda, os que nascem sem serem meninos; assim vivem até que na hora de morrerem duvidam que deixem em alguém ponta de saudade.

A neblina disfarçava o vulto escuro avançando pelo carreiro que ladeia a linha do ramal vindo para lá do Entroncamento, dobrado sobre si tentando proteger no regaço Saúl. Passo sim, passo não, um tropeção na tentativa de evitar ramagens de caniços lacrimejantes que teimam afagar-lhe o rosto e o filho que lhe aquece o peito, não a alma. O ar frio e húmido do fim da madrugada traz sons longínquos, sabe-se lá donde… talvez vindos da azinhaga que atravessa a lezíria, acompanhando a linha, propiciando namoros entre carroças e o comboio a vapor, até se despedirem com acenos chegados ao túnel, quando o maquinista apitava ao avistar a bocarra negra, na chamada “Curva d’adeus”..
Imperceptível o som agudo persegue-a agoirento: será a carroça do peixeiro que teima em quer comprar-lhe beijos a troco de carapaus moídos ou será noitibó de maus presságios? Agora pouco lhe importa, alcançado o fim do trilho, sobe as pedras britadas e calcorreia a linha aproveitando-se, quando pode, das travessas negras; antecipa deliciada o aconchego que o desvão de resguardo, a meio do túnel, tem à sua espera. Lá chegada, descansará as costas contra o taipal de madeira, descobrirá o seio para o dar ao seu menino…

- Sabes quem se atirou à linha?
-…
-Não? A Mercedes, homem.
-…

-Qual Mercedes, qual Mercedes! .
A espanhola, a espanhola fugida lá da guerra deles.

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